Os poemas não estão muito na moda, são um
busílis na escola, dão um trabalhão se nos pedem para irmos além da simples
rima ou se as perguntas não encaixam no que compreendemos deles. Mas eles são
também nesta altura oásis de mensagens piedosas disfarçadas sob metáforas natalícias:
a árvore, as estrelas, a luz, os cânticos celestiais, os anjos. Se clicarem no
computador “poemas de natal” vão encher a barriga de poemas e mensagens que vos
farão bem. Quero só partilhar convosco o poema “Litania para o Natal de 1967”
de David Mourão-Ferreira, que desde há muitos anos me enche a barriga em cada
Natal e que recordo na voz poderosa do José Vieira acompanhado pelo coro do
Orfeão de Seia a dizer o refrão. Se quiserem ouvir uma declamação interessante, vão a http://www.youtube.com/watch?v=G6Sdff7jnAU. Depois que tal se o declamarem
(individualmente ou em grupo) aos familiares? Aqui vai.
“Litania para o Natal de 1967”
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
numa casa de Hanói ontem bombardeada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para ter amanhã a suspeita que
existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
tem no ano dois mil a idade de Cristo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
e anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
para nos
pedir contas do nosso tempo